Cassino AO VIVO!

                    

Vídeo ao vivo não funciona? Aperte play novamente ou atualize a página.

quinta-feira, 14 de março de 2013

Pimenta nos olhos dos outros deve servir de alerta

Mais um texto do amigo e correspondente internacional RGsurf, Fernando Hirata.

Em meu texto anterior aqui no RGsurf ( http://www.rgsurf.com.br/search?q=mudan%C3%A7as+clim%C3%A1ticas), abordei o debate sobre as mudanças climáticas e como o nosso posicionamento sobre causas e consequências desse enorme problema global não impede ações individuais que melhorem a nossa vida e o lugar em que vivemos. Muitas dessas ações são alardeadas pelos ambientalistas como medidas imprescindíveis para o combate às mudanças climáticas, mas na verdade elas deveriam ser promovidas localmente apenas para reduzir o nosso desconforto e estresse cotidiano.

409093_308082242582641_300118923378973_868192_1454227691_nNo Cassino, tais medidas são ainda mais importantes durante o verão, quando o balneário recebe milhares de turistas que parecem infernizar a vida de todos os moradores das mais variadas maneiras. Em um determinado ponto, usei o exemplo dessa invasão de verão como uma expressão de mudanças ambientais que afetam diretamente o modo de vida de cada um, causam grande irritação e podem resultar em conflitos como, por exemplo, o localismo.  Essas mudanças ambientais locais não estão necessariamente relacionadas a mudanças do clima. Pode ser que temperaturas mais altas levem mais pessoas ao Cassino, mas não sabemos se esse aumento de visitantes depende apenas da ocorrência de dias mais quentes. Outros fatores podem ser, inclusive, mais importantes. Talvez o maior número de veranistas seja apenas um reflexo de um aumento populacional ou de um cenário sócio-econômico mais favorável. Dentro desse contexto, quero aproveitar este espaço para discutir expressões mais específicas das mudanças climáticas na nossa vida e, particularmente, na vida de quem pratica esportes na praia. Por exemplo, como alterações no comportamento dos oceanos e da atmosfera, forçadas pelas mudanças climáticas, afetam as ondas e, claro, o surfe?

degelo1Uma das consequências do aumento das temperaturas médias globais é a elevação do nível médio do mar, que acontece por dois motivos básicos. O primeiro motivo é simples: água mais quente ocupa mais espaço. O segundo motivo é um pouco mais complicado: há projeções de que, com o aumento das temperaturas, haverá um deslocamento de água atualmente armazenada sobre os continentes em direção aos oceanos. É dentro dessa segunda categoria que incluímos o derretimento de gelo na Antártica e na Groenlândia. Além disso, outras alterações do ciclo hidrológico (bombeamento de águas subterrâneas ou temporais mais intensos) também podem contribuir para que mais água termine no mar.

sea_level_rising_mythEstimativas indicam que o nível médio do mar subiu 7 centímetros entre 1972 e 2008. Aproximadamente a metade dessa elevação parece ter sido causada por derretimento de gelo continental e um pouco menos da outra metade foi atribuída à expansão térmica dos oceanos1. Há um consenso de que o nível médio global do mar deve aumentar nos próximos 100 anos, mas os números variam de 1 a 20 metros e esse aumento não deve ser uniforme ou homogêneo em todo o mundo2.

O aumento do nível do mar é importante porque, na praia, as ondas geradas pela ação dos ventos sobre a superfície dos oceanos crescem a partir do momento em que “sentem” o fundo. A oscilação da superfície livre do mar força uma determinada camada de água para cima e para baixo. Quando a profundidade diminui, a camada de água forçada para baixo entra em contato com o fundo, diminuindo a velocidade da onda. A diminuição da velocidade da cava provoca a elevação da crista subsequente. A camada superficial tende a se propagar mais rapidamente por estar mais distante do fundo, até que a onda quebra. Com um nível do mar elevado, em praias de fundo fixo (pedra ou recife de corais), serão necessárias ondas maiores para manter o ponto de quebra no mesmo lugar. No caso do Cassino (fundo de areia), a dinâmica é diferente, já que há uma interação constante entre as ondas e os bancos de areia e fica mais difícil entender como este sistema será alterado. Em uma praia arenosa, existem fluxos constantes de areia das dunas para a praia e para debaixo da água e vice-versa. A alteração desses fluxos, que dependem de muitas outras variáveis, pode transformar radicalmente a paisagem e a dinâmica do lugar.

primavera2010Cassino20120825 (2)

É claro que outros fenômenos também serão afetados pelas mudanças do clima e podem influenciar a zona de surfe. Alguns desses fenômenos podem estar, inclusive, bem próximos. Em escala local, o desenvolvimento urbano desordenado pode ser bastante prejudicial para o ambiente praial. Acredito que o amigo do RGsurf assistiu ao filme Endless Summer (Bruce Brown, 1964) e deve lembrar dos tubos surreais e intermináveis de Cape Saint Francis (África do Sul). Há uma lenda de que o diretor exagerou um pouco ao descrever as condições de surfe no referido pico, criando a ideia de que as ondas eram sempre perfeitas (digo lenda porque nunca estive lá). Parece que o vento na baía, na maior parte do tempo, não conseguia segurar tão bem as paredes antes da quebra. Para piorar, o governo da cidade de Saint Francis Bay decidiu lotear a orla na década de 1970. Para isso, as dunas (que aparecem no filme) foram estabilizadas3, já que ninguém quer comprar um terreno que pode ser engolido pela areia à qualquer momento. A estabilização diminuiu o fluxo de areia pelo ambiente e provocou um problema sério de erosão costeira pois não havia mais sedimentos suficiente para abastecer a praia. Obviamente, a falta de areia também prejudicou a formação dos bancos ao longo da praia e, consequentemente, a qualidade do surfe. A construção de casas e mansões também deve ter influenciado o terral, prejudicando ainda mais a formação dos tubos. Hoje, há um projeto complexo para a recuperação da praia4 que inclui a construção de três recifes artificiais e deve custar milhões de dólares.

7814204ArmaçaoFlops

Praia do Hermenegildo, RS e Praia da Armação em Florianópolis, SC.

 

Essa história de Saint Francis Bay mostra como é fundamental ressaltar mais uma vez a importância de acompanhar tudo o que acontece à nossa volta. Erosão pode não ser problema no Cassino, mas lançamento de esgoto sem tratamento nos arroios é. Cada lugar tem suas particularidades e precisamos trabalhar para que planos que parecem geniais hoje não se transformem em pesadelos no futuro. Assim, estaremos menos suscetíveis à eventos extremos e aos impactos adversos das mudanças do mundo em que vivemos. Além disso, também preservamos a praia, as ondas e aquele mate de fim de tarde sobre as dunas.

Fernando Hirata é jornalista e oceanólogo, com graduação e mestrado na FURG e atualmente está tirando o PhD. em Dinâmica Climática pela Georgia Tech, Atlanta - USA.

Reportagem da TV FURG sobre o lixo na praia http://youtu.be/S1foA-188Qc.

1. Church, J.A. e colaboradores (2011): Revisiting the Earth’s sea-level and energy budgets from 1961 to 2008. Geophysical Research Letters, 38, doi: 10.1029/2011GL048794.

2. Willis, J.K. e J.A. Church (2012): Regional sea-level projection. Science, 336, 550-551.

3. Lubke, R.A. (1985): Erosion of the beach at St. Francis Bay, Eastern Cape, South Africa. Biological Conservation, 32, 99-127.

4. http://www.asrltd.com/projects/st-francis-bay.php, acesso em 01/02/2013.

3 comentários:

Thaís disse...

Belo texto Hirata! E com esse monte de empresas de fora chegando pra trabalhar no Porto, o problema do desenvolvimento do Balneário Cassino fica ainda mais complicado... Quisera q a prefeitura da cidade tivesse um plano de desenvolvimento correto e bem montado! Mas a única coisa que se houve na cidade são lamentações e reclamações, lógico, entre as próprias pessoas, e o pior de tudo nada que transcenda isso. Issaê!

Welington disse...

Essa semana vi uma coisa que ainda não tinha visto: engarrafamento no trevo-viaduto Cassino-pelotas. Tava chegando pro surf, de manhã cedinho, e tinha uma baaaita fila no sentido cassino-cidade que ia até quase a ponte sobre os trilhos. E olha que já não é mais temporada!! Não sabia que já estava assim...

Anônimo disse...

faz tempo que ta assim